Seria, no mínimo, jocoso de minha parte achar que descobri o X da questão ao afirmar que literatura e cinema gostam que se entrecruzar; pois bem, não farei. Mas analisarei sobre essa máxima. "Cartas A Um Jovem Poeta", de Rainer Maria Rilke, reúne cartas trocadas entre o escritor e um jovem admirador e poeta, Franz Xaver Kappus, entre 1903 e 1908. São cartas que, mais do que falar de poesia, falam de vida. Aliás, vida e poesia estão misturadas nas cartas, uma como resultado constante da outra.

Nas cartas, Rilke aconselha o poeta iniciante a deixar de lado a ironia, a fugir da crítica afundando-se na solidão, não se deixar impressionar pelo grandioso nem entregar-se ao drama, entre outros conselhos. Mas, mais do que conselhos a um jovem poeta, são conselhos de humildade, honestidade e perseverança. Esses dizeres lidos por um jovem, e o era ainda mais quando li o livro, são arrebatadores, verdadeiros mantras, que ecoavam em minha mente a todo instante.

Reascendeu-me na memória as páginas de Rilke, o filme “O carteiro e poeta”, de Michael Radford. A película mostra, por razões políticas, o poeta Pablo Neruda exilado em uma ilha na Itália. Lá um desempregado, quase analfabeto, é contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar, exclusivamente, da correspondência do único homem da ilha que recebe cartas, e em enorme quantidade. Este era Pablo Neruda, o poeta do amor.

O carteiro é Mario Ruoppolo, pobre pescador que mora com o pai, e descobre desde cedo a sua total inaptidão para a labuta marítima e, além disso, para o desgosto de seu genitor, mostra-se preguiçoso para certas tarefas. Por outro lado, é apaixonado por filmes e, às custas do pai, ocasionalmente satisfaz seu prazer no cinema de San Antonio. Até que um dia, ao ver um anúncio de emprego, o jovem Mario toma a iniciativa de entrar na agência de correios e prontamente se oferece para o preenchimento da vaga de carteiro.

A chegada do poeta e a relação que se iniciava entre os dois foram a chance que Mario precisava para conhecer a vida sob um outro prisma. Dessa amizade surge no carteiro um outro homem, capaz de pensar, de criar, de criticar e de gostar da vida. O que era apenas uma admiração curiosa, no início, passa a ser uma forte amizade entre Neruda, Nobel de Literatura de 1971, e o carteiro. A peculiar afeição entre os dois se intensifica na medida em que Mario descobre sua sensibilidade, o dom poético e o deslumbre pelas metáforas, bem como, principalmente, quando descobre seu amor por uma jovem conterrânea.

Sobre essa paixão de Mario pela bela Beatriz Russo, Neruda se exalta com o carteiro ao saber que este dedicou à bela siciliana versos feitos para sua amada Maria; já carregado de lirismo nos lábios, o humilde filho de pescador, serenamente, reponde: “A poesia não pertence ao poeta que a escreveu, mas a quem precisa dela”, e todos nós precisamos de poesia. All you need is love.
Em outro livro, “Elegias de Duíno", Rilke canta seu desespero amoroso "Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias dos Anjos?". Metáfora, das mais belas. Ou será desespero de um amante incondicional.

As metáforas são muito mais que meros detalhes neste mundo que mescla ficção e realidade, nos ensinam a ver poesia, a beleza e, acima de tudo imagens em outras imagens, em todos os lugares, mesmo nos mais rotineiros detalhes da vida. “Quando tentamos explicar, a poesia se torna banal. Melhor do que qualquer explicação é a experiência das emoções que a poesia revela para uma alma disposta a compreendê-la”, sacramenta Neruda, no filme.

“O carteiro e o poeta” é uma obra sobre poesias, tanto aquelas escritas quanto as vivenciadas, em uma descarada homenagem à poética por vezes escondida no cotidiano, o que é mundo comum, dado que a literatura, em especial a em verso, vem sofrendo uma grande queda de público, pois esta lateja apenas aos olhares mais sensíveis.
Bom, mais que falar isso foi uma dica, pois são duas obras feitas com muito cuidado e lirismo, obras de verdadeiros artistas. Rilke soube mexer com o íntimo de cada leitor de suas obras e “O carteiro e o poeta” mostra que ninguém é incapaz de sentir uma poesia, muitas vezes as pessoas precisam é de uma chance para se sentir envoltas em uma bela metáfora.


“O homem não tem direito sobre a simplicidade e a complexidade das coisas”
,
afirma Mario Ruoppolo.

P.S - duas grandes obras, valem a pena serem lidas e assistadas

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