Essa é a ultima folha do meu caderno brochura, comprado para as aulas de artes cênicas, que resolvi fazer por sua causa.
Depois daquele carnaval deprimente que passei em frente à rua, vendo o bloco passar, e vi uma colombina, linda e feliz, contrastando com o meu humor e com o tédio do meu quarto, que só não foram maior do que o dia de hoje.
Ainda me lembro que cada pedaço do meu quarto foi um dia a mais que passei a contemplá-la. Milimetricamente composto por 387 poemas, 8 crônicas e mais de 3 dezenas de cartas que nunca chegaram a serem entregues, muitas delas sequer eu tive coragem de terminar, que correspondem, religiosamente, aos dias em que a conheço.
De dentro do meu quarto, transformei-a em musa da minha, horrível e sofrível, literatura. Só você para me tornar um escritor. Desfazem-se no tempo todos os encontros, “por acasos”, pelas manhãs que tivemos e dos comentários de erros de português, do português da padaria, que confesso até hoje não entender o que era aquele complemento nominal que falta na placa daquele nobre estabelecimento.
Acontece que hoje você vai embora e eu não pude ser ou não fui HOMEM suficiente para declarar todo o meu amor a você. Mas que besta que eu sou!, quem disse que para amar precisa ser deveras homem?
Poderia pular minha janela, que é a maior testemunha de tudo que o sinto por você e julgo-a até minha cúmplice e me declarar a você, não sei se essa seria a melhor saída. Não ouso me comparar ao jovem Werther, talvez fosse mais feliz se tivesse o mesmo fim, assim sonharia eternamente com as tardes que você passava ao piano.
Mas já é tarde, a vontade não veio, não veio a coragem e você se vai. Não há problema, serei sempre fiel a você e outras manhãs de festas virão. Minha janela recusa outra imagem, que não seja a sua, vou fechá-la, não digo que para sempre, mas até a uma outra festa profana surgir com uma musa digna de ser o único motivo para que eu abra um dos olhos de minha casa.
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